Honeymoon in Hell por Fredric Brown

d12 de Assis
4 min readNov 24, 2020
Capa de 1958

Fredric Brown foi um escritor de ficção científica e mistério (passando por histórias de terror e fantasia). Como não existe sugestão de livros específicos no Apêndice N, escolhi o livro Honeymoon in Hell (Lua de mel no inferno), pois ele contém o conto Arena que inspirou aquele episódio clássico de Jornada nas Estrelas onde o Capitão Kirk enfrenta um Gorn pelo destino da nave, usando toda sua engenhosidade e golpes de karatê mal coreografados. Não podia perder essa oportunidade de dar uma chance para a ficção científica, afinal essa masmorra também foi construída com tecnologia futurista.

Kirk versus Gorn — um ícone da cultura pop.

O livro é uma antologia de contos publicados originalmente em revistas pulp nos anos 1940 e 1950. Alguns temas como guerra fria, holocausto nuclear, viagem no tempo e marcianos são recorrentes, mas aparecem também algumas bruxas, diabos e vampiros. O autor ficou consagrado justamente por suas estórias curtas, geralmente com bastante senso de humor e uma reviravolta marcante no final, tornando a leitura bem rápida e agradável.

A história que nomeia o livro trata de um estranho fenômeno que faz com que todos novos recém-nascidos sejam do sexo feminino. Para estudar e tentar resolver o problema, os EUA e a URSS interrompem a guerra fria, casam à distância um astronauta americano e uma técnica/cientista russa e mandam o casal (cada um no seu foguete) para uma lua de mel na cratera de Hell na Lua, supostamente fora da área de atuação do fenômeno. Um possível filho dos dois pode ser a chave para salvar a humanidade. Além de prever que próxima etapa da guerra fria seria a corrida espacial, esse tema sexual certamente estava a frente do seu tempo, e a personagem feminina é interessante, pena que não existam outras no livro.

Capa da revista pulp onde o conto saiu pela primeira vez.

São várias estórias de viagem no tempo, cada uma abordando o tema de forma bem distinta. Alienígenas que combinam viagem espacial com temporal para “burlar” a longa duração das viagens. O clássico do paradoxo do avô. Existe também uma ótima onde o protagonista começa nos anos 50, volta no tempo (sim, volta!) e desperta no distante ano de 2004, e com isso possivelmente descobre uma espécie de fórmula da imortalidade, levantando uma série de questões filosóficas. Vampiros, depois de desmascarados, buscam um futuro onde a humanidade os tenha esquecido em outro conto que mostra que as fronteiras da ficção científica e fantasia ainda eram tênues, como podemos ver em várias obras presentes no Apêndice N.

A ameaça “marciana” também está bem presente, independente de onde venham os alienígenas. Eles podem pular de corpo em corpo para destruir as defesas da Terra, ou agir para impedir a hecatombe nuclear dependendo da história. Administram zoológicos interplanetários, transmitem mensagem misteriosas no rádio ou são usados por brincos (sim, a construção da frase está certa).

Meu conto favorito, porém, é mesmo Arena. Uma entidade de grande poder, que se descreve como o topo da evolução quando uma raça inteira é representada por um único ser, intervém no conflito entre os terráqueos e um povo conhecido apenas por forasteiros, ela avalia o vencedor de uma guerra sairá tão arrasado que jamais conseguirá atingir seu verdadeiro potencial no universo. Para sanar isso, seleciona um indivíduo de cada espécie e os transporta nus para uma espécie de planeta hostil onde eles devem duelar até a morte. O perdedor terá toda sua raça exterminada.

Começa um jogo de gato e rato. Os combatentes têm de aprender as regras da arena, estudar as fraquezas do inimigo e improvisar o tempo todo. O alienígena é bem estranho, um ser cheio de tentáculos que podem se retrair para que ele tome a forma uma esfera vermelha. A vitória só é possível com bastante inventividade.

Arena em quadrinhos pela Marvel.

Transportando para o jogo, não temos como saber que livros podem ter influenciado a criação do D&D, mas Honeymoon in Hell parece um bom palpite dentre as obras que pesquisei de Brown. O conto Arena, além de ter virado um episódio de Jornada nas Estrelas, foi adaptado pela Marvel para os quadrinhos em 1973 e todas as histórias da coletânea vieram de revistas pulp, e sabemos que pulp e quadrinhos estavam na área de interesse de Gygax. Não é possível traçar paralelos com classes ou criaturas, porém, a necessidade de improvisar, de controlar recursos e de encontrar soluções que não estão na “ficha de personagem” é bem o clima de Arena e isso de alguma forma está presente nos livros da primeira edição e no D&D original.

O livro termina com o conto Imagine que parece ser mais uma ode a imaginação em si. Perfeita para despertar a fagulha da criação em todos os mestres de jogo. Deixo aqui um trecho numa tradução livre:

Imagine fantasmas, deuses e diabos. Imagine infernos e paraísos. Cidades flutuando no céu e afundadas no mar. Unicórnios e Centauros. Bruxas, feiticeiros, gênios e banshees. Anjos e harpias. Feitiços e encantos. Elementais, familiares, demônios. É fácil de imaginar todas essas coisas. A humanidade as imagina há milhares de anos. Imagine naves espaciais e o futuro. Fácil de imaginar, o futuro está realmente chegando e haverá naves espaciais nele. Existe algo difícil de imaginar? (…) Imagine um universo, infinito ou não, como você deseja imaginá-lo.

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d12 de Assis

Um espaço para falar de RPG e Literatura, principalmente sobre os livros presentes no saudoso Apêndice N, lista de livros recomendados por Gygax no AD&D.